POR LUIZ CARLOS DE MORAES
É muito comum o corredor fazer um trote leve no dia
seguinte a uma competição ou de um treino forte, pensando tratar-se de
uma atividade regenerativa de sua musculatura. Mas esta não é a melhor
opção.
Entre tantas discussões na área de
treinamento físico, uma também longe do fim é a questão do que fazer no
dia seguinte a um treinamento forte e/ou competição. No futebol, por
exemplo, mal ou bem todos nós estamos acostumados a ver nos noticiários
que os técnicos adotam condutas diferentes no dia seguinte. Uns dão
folga completa, outros mandam seus jogadores para a piscina, outros para
a sala de musculação e ainda tem os que adotam um treino leve e
descontraído com bola, chamando isso de treino regenerativo. Ou seja,
vários procedimentos para a mesma situação.
O
fato também acontece com os corredores. Embora realmente não haja
consenso nessa questão, não é possível chamar de treino regenerativo o
ato de voltar a treinar exatamente a mesma atividade, mesmo em ritmo
fraco, no dia seguinte. A gente sabe que qualquer exercício físico, seja
ele qual for, provoca microlesões nas fibras musculares e o próprio
organismo recompõe os tecidos danificados, tornando-os mais fortes e/ou
resistentes, mas precisa de um tempo para que isso aconteça.
TRÊS MOMENTOS DA MUSCULATURA. É nisso que se baseia o "princípio da adaptação", que acontece em três fases bem distintas e que duram entre 24 e 48 horas:
FASE DE DESTRUIÇÃO.
É quando acontece a ruptura das fibras musculares, formando o hematoma
entre elas e a reação anti-inflamatória, como resultado do exercício que
ultrapasse a capacidade do músculo. Quando vem na intensidade certa do
exercício, vem também acompanhada de dor chamada tardia, que até certo
ponto tem que existir mesmo. Mas não pode ser aguda, que indicaria uma
lesão.
FASE DE REPARO. Neste
momento ocorre a absorção das partículas necrosadas na fase anterior e a
reconstrução das fibras musculares. Ou seja, uma faxina geral nas
fibras que foram danificadas. Nessa fase a dor tardia ainda está
presente, mas começando a diminuir. Reside aí a velha frase que "sem dor
não há ganho (de performance)". De fato não há ganho, desde que essa
dor não seja aguda.
FASE DE REMODELAÇÃO OU SUPER-COMPENSAÇÃO.
Aqui ocorre o amadurecimento das fibras, tornando-as aptas e mais
fortes novamente para a atividade física. A dor já não existe mais e o
corpo parece nos dar a boa sensação de estar pedindo mais exercício.
VARIAR PARA POUPAR.
Partindo do princípio que o exercício específico é que provocou todo
esse processo, não faz sentido o indivíduo voltar a fazer exatamente o
mesmo movimento, sem antes as fibras musculares estarem totalmente
regeneradas. Ou seja, no caso do corredor voltar a correr, mesmo
devagar, depois de um treino forte sob justificativa de estar fazendo um
regenerativo, na verdade está é degenerando as fibras musculares porque
volta a correr ainda na segunda fase, a de reparo. As fibras musculares
ainda não estão curadas e prontas para uma nova tensão. Pior ainda é
quando o corredor resolve fazer outro treino forte.
Talvez
resida aí a explicação da ocorrência de algumas lesões, especialmente
aquelas que se manifestam não imediatamente, mas alguns dias depois. O
indivíduo volta a correr ainda com dor, dias depois faz isso de novo,
até virar uma lesão. Por conta disso acredito que qualquer outro
procedimento tais como exercícios leves, que não sejam a corrida, possam
fazer sentido porque não se estará sacrificando as mesmas fibras
musculares do mesmo modo.
A AJUDA DO SANGUE.
Sabe-se também que todo o processo depende da quantidade de sangue
passando na região afetada, tanto na reconstrução dos tecidos como na
remoção dos resíduos, justificando mais uma vez a execução de outros
exercícios que de alguma forma irão manter o aporte sanguíneo. Não custa
lembrar que a corrida gera um impacto de três vezes o peso corporal e
as pernas são as mais prejudicadas, mesmo nos exercícios leves. A
intensidade é apenas um detalhe para aumentar o desgaste nas fibras
musculares. Isto é, com intensidade maior as fibras recebem duas ações
de desgaste: o impacto e a velocidade aumentada. Na corrida leve só
diminui a questão da velocidade, mas o impacto permanece.
A
musculatura humana tem uma enorme capacidade de adaptação a todo tipo
de estresse, tanto nas doenças como nos exercícios. Se compararmos um
sedentário com um ultra-maratonista aí vai uma longa distância de
adaptação. São muitos os mecanismos de controle que o próprio corpo
dispõe para se proteger, mas com limites que não devem ser
ultrapassados.
Reside aí o segredo da aplicação
do estresse na medida certa ao músculo humano, com objetivo de respostas
de desempenho esportivo, que sempre foi e sempre será o controle
adequado da intensidade, frequência e duração do exercício, na medida
certa para cada pessoa. É certo que depois de um treinamento forte ou
competição, o músculo precisa de repouso que pode ou não ser ativo. Tudo
depende do "tamanho do estrago", por assim dizer, que o treinamento
provocou nas fibras musculares. Voltar logo a correr, mesmo devagar,
pode não ser uma boa idéia.
BOAS OPÇÕES REGENERATIVAS
Hidroginástica.
Sabidamente é uma atividade relaxante por causa das propriedades
físicas da água. Como geralmente as piscinas destinadas a essa atividade
são rasas, o corredor que detesta ficar sem correr pode correr dentro
da água, que nesse caso estará fazendo realmente um treino regenerativo,
sem impacto.
Pedalar, na bicicleta comum, na ergométrica ou spinning.
O ato de pedalar envolve um sincronismo de praticamente todos os grupos
musculares das pernas durante os 360 graus do giro, recrutando alguns
músculos não tão usados durante a corrida e com a vantagem da diminuição
do impacto.
Caminhada. É a atividade mais
natural do ser humano, mas apesar de aparentemente simples, por
incrível que possa parecer tem corredor que sabe correr, até porque se
preocupa com o gesto esportivo, e não sabe caminhar ereto com o tronco,
braços e a cabeça em perfeito equilíbrio sobre as pernas em movimento
constante e balanço correto dos braços. Isso acontece exatamente porque
cada um desde a infância já adquiriu um padrão motor que é o seu
possível natural.
Portanto, caminhar desde que
seja numa velocidade confortável, constante e com o corpo em equilíbrio
também é uma atividade regenerativa porque além do impacto ser
infinitamente menor, o padrão motor é diferente da corrida. O único
problema é ficar tentado a terminar correndo, principalmente depois de
bem aquecido. Alguns poderão achar que caminhar não ajuda em nada, mas o
objetivo é exatamente esse: sentir-se bem ao final do treino
regenerativo.
Musculação. Também é
uma boa opção porque além de estar fazendo um treino regenerativo, se
estará fortalecendo outros grupos musculares importantes no equilíbrio
do gesto esportivo, enquanto o corpo recupera os músculos da corrida.
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