quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Carboidratos, hormônios e performance em exercícios de resistência

       
Os atletas devem tomar, a cada 15 a 20 min, 240 a 350 ml de uma bebida esportiva que contenha carboidrato para previnir a queda na glicemia e retardar a fadiga
J. Mark Davis e Adrienne S. Brown
               
As glândulas endócrinas fornecem ao organismo uma série de hormônios, que mantêm as funções orgânicas funcionando harmonicamente, incluindo a glicemia, que permanece em níveis normais para a saúde, mesmo durante os exercícios. A queda nos níveis da glicemia durante a prática de exercícios extenuantes e prolongados é a principal responsável pelo início da fadiga (Davis & Fitts, 1998).
Durante a prática de exercícios, o sistema endócrino procura manter normais os níveis de glicose sanguínea, por meio da mobilização de outras fontes de energia e estimulando a produção de glicose pelos aminoácidos e outros substratos diferentes dos carboidratos. Lamentavelmente, as respostas somente retardam a depleção (redução de matéria armazenada no corpo) de carboidratos das reservas do organismo. Assim, a fadiga instala-se, mesmo com o aumento acentuado dos hormônios circulantes. De fato, como será descrito mais adiante, há evidências que sugerem aumento muito acentuado dos hormônios responsáveis pelo estresse, que ocorre em paralelo ao exercício extenuante, acelerando o início da fadiga.
A ingestão de bebidas com carboidratos, formuladas de maneira adequada, pode retardar a fadiga, por meio da manutenção elevada dos níveis glicêmicos (Coogan & Coyle, 1987) e, talvez, economizando o glicogênio armazenado nos músculos (Hargreaves, 2000). É interessante observar que, durante os exercícios, o aumento dos hormônios relacionados ao estresse é atenuado pela ingestão de carboidratos. Entretanto, qualquer ligação com o processo de fadiga não está evidenciado.
Por outro lado, este trabalho objetiva fazer breve revisão de como os hormônios glico-reguladores (epinefrina, cortisol, insulina, glucagon e hormônio do crescimento) reagem ao exercício e como a ingestão de carboidratos interfere nessas respostas. Também é sua meta julgar se há alguma associação entre as respostas hormonais e o início da fadiga.
Revisão bibliográfica
Respostas hormonais ao exercício prolongado
Durante o exercício, os impulsos nervosos motores desencadeados no cérebro (comando central), com um retorno ao hipotálamo, originado no nervo sensor muscular, estimulam ou inibem a liberação de hormônios. Inicialmente, as secreções hormonais são rápidas, antecipando as necessidades metabólicas e cardiovasculares, suscitando os ajustes necessários para que o organismo possa suportar o aumento da demanda determinada pelo exercício. Essas modificações hormonais manifestam-se de maneira mais intensa quando a intensidade dos exercícios aumenta, ocorrendo então a fadiga. As modificações também acontecem ou se intensificam para que as pessoas suportem os fatores psicológicos ou emocionais que ocorrem durante os exercícios intensos (Galbo, 1992).
A principal manifestação, que demonstra a importância do controle neuroendócrino no organismo, é a diminuição na concentração da glicose sanguínea, que fica mais clara nos estudos relativos à ingestão de dietas pobres em carboidratos, jejum e infusão de glicose (Kjaer, 1992; Wasserman & Cherrington, 1996).
Os exercícios extenuantes e prolongados ocasionam:
- diminuição prevista na glicemia e aumento na concentração de epinefrina (EPI) (Bayley et al., 1993; Burgess et al., 1991a; Francescone, 1988; Nieman et al., 1995);
- aumento na concentração do cortisol (Burgess et al., 1991 a; Nieman et al., 1995; Thuma et al., 1995);
- aumento na concentração do glucagon (Galbo, 1992; Mitchell et al., 1990; Wasserman & Cherrington, 1996);
- aumento na concentração do hormônio do crescimento (GH) (Murray et al., 1995; Neiman et al., 1998; Utter et al., 1999); e
- diminuição na secreção de insulina (Burgess et al., 1991 a,b; Murray et al., 1991, 1995; Utter et al., 1999; Wasserman & Cherrington, 1996).
Esses hormônios apresentam como função principal a manutenção da glicemia em níveis normais. São comumente chamados de hormônios glicoreguladores (Tabela 1).
As respostas dos hormônios glicoreguladores a um exercício extenuante e prolongado (Figura 1) são mais acentuadas quanto maior for a duração do exercício, ou seja, quando a disponibilidade de carboidratos fica limitada e o processo de fadiga inicia-se. As pequenas alterações que ocorrem, principalmente no início de uma atividade física, são específicas, para que ocorra mobilização extra de nutriente energético, destinada a atender à demanda do exercício. Dessa maneira, modifica-se o metabolismo para a utilização de lipídeos, mantendo-se a glicemia em nível normal.
As grandes modificações hormonais que ocorrem na fase final dos exercícios, quando a fadiga está se instalando, são causadas pela depleção do glicogênio hepático e muscular, pela incapacidade do organismo em manter a glicemia e por fatores psicológicos relacionados ao aumento do esforço necessário para manter a força, desequilibrando o estado de bem-estar.
Tabela 1
Principais ações dos hormônios glicoreguladores e alguns de seus efeitos.


Efeito da ingestão de carboidratos na resposta hormonal ao exercício
A ingestão de carboidratos imediatamente antes e/ou durante os exercícios de resistência produz modificações significativas no comportamento dos hormônios glicoreguladores. Essas respostas incluem aumento imediato e característico da EPI, cortisol, glucagon e GH e discreta diminuição na insulina. A insulina pode aumentar durante os exercícios se houver ingestão de carboidratos (Figura 2). Essa resposta geralmente dá suporte à premissa de que a manutenção da glicemia é a principal função desses hormônios durante os exercícios de longa duração.
Figura 1
Representação esquemática das alterações na concentração plasmática dos hormônios glicoreguladores, durante 2 horas de prática de exercícios, a 70% do VO²max., quando não ocorre a ingestão de carboidratos.


A ingestão de 30 a 60gr de carboidratos por hora é suficiente para evitar queda na concentração de glicose no sangue e retardar a instalação da fadiga, durante os exercícios de longa duração (Hargreaves, 2000). Estudos a respeito do comportamento hormonal, utilizando protocolos alimentares semelhantes, conduziram à mesma resposta durante os exercícios.
O comportamento do organismo apresentou-se diferente quando a ingestão foi de apenas 13gr por hora, durante aproximadamente 3 horas de exercícios, a 70% do VO²max., pois não ocorreram modificações em diversas variáveis metabólicas que acontecem e são perceptíveis durante o esforço físico, como: EPI, cortisol, glucagon, insulina e tempo de fadiga (Burguess et al., 1991 a).
Insulina: quando ocorre a ingestão de carboidratos durante os exercícios, a concentração plasmática de insulina é mantida nos níveis normais ou, em alguns casos, ocorre aumento (Ahlborg & Felig, 1976; Burguess et al., 1991b; Coyle et al., 1993; Davis et al., 1992; Fritzche et al., 2000; Murray et al., 1991; Nieman et al., 1998).
Epinefrina (EPI): a maioria dos estudos tem demonstrado que a ingestão de carboidratos conduz a um aumento da EPI durante os exercícios (Deuster et al., 1992; Frizche et al., 2000; Mitchell et al., 1990; Nieman et al., 1998). Um interessante estudo demonstrou que ocorre aumento na EPI durante o ciclismo, a 62% do VO²max., durante 122 minutos e seguido de 2,5 horas de ciclismo (não corrida) a 75% do VO²max. (Utter et al. 1999). Não existe explicação para esse comportamento diferenciado em função do tipo de exercício.
Figura 2
Representação esquemática das modificações plasmáticas da concentração dos hormônios glicoreguladores, durante 2 horas de exercício, a 70% do VO²max., quando os atletas ingeriram 30 a 60gr de carboidratos por hora de atividade.


Cortisol: a ingestão de carboidratos durante os exercícios prolongados pode promover aumento na concentração de cortisol. Esta alteração pode manter-se por várias horas após o término do esforço físico (Nieman et al., 1998; Davis et al., 1989). O estudo Utter et al. (1999) demonstrou que a ação do cortisol decresce 2,5 horas após a prática de ciclismo ou de corrida, quando os atletas ingerem soluções de carboidratos, em comparação com a ingestão de placebo, o qual manteve os níveis de cortisol nos valores da situação pré-exercício ou provocou pequeno aumento. Outros pesquisadores encontraram resultado semelhante em exercício contínuo por 2 horas (Deuster et al., 1992; Murray et al., 1991, 1995), ou após sete sessões de ciclismo de 12 min., a 70% do VO² pico (Mitchell et al., 1990).
Glucagon e Hormônio do Crescimento (GH): a elevação dos níveis de glucagon e GH durante os exercícios é atenuada pela ingestão de carboidratos, que bloqueia a resposta do glucagon na prática de 4 horas de ciclismo, a 30% do VO²max (Ahlborg & Felig, 1976). Porém, não afeta a resposta desse hormônio, em exercícios intermitentes de ciclismo a 70% do VO²max., quando os indivíduos ingeriram bebidas carboidratadas, comparativamente àqueles que ingeriram água com placebo (Nieman et al., 1998; Utter et al., 1999).
Figura 3
Representação esquemática do modo de atuação de bebidas esportivas que contêm carboidratos, durante a prática de exercícios extenuantes e prolongados. Essas bebidas levam a um retardo da fadiga, pela modificação na utilização de substratos energéticos (glicose e ácidos graxos), hormônios e metabólitos relacionados à fadiga (triptofano livre e amônia) no sangue. Essas modificações sanguíneas podem afetar as funções cerebrais e musculares, levando à melhoria do rendimento atlético.


Possível ação dos hormônios glicoreguladores no processo da fadiga e sua associação com a ingestão de carboidratos
A diminuição da disponibilidade de carboidratos como substrato energético (glicose e glicogênio) e a ocorrência de desidratação constituem-se os principais fatores limitantes durante a prática de exercícios de resistência. Já é amplamente reconhecido o fato de que a reposição de carboidratos e líquidos durante os exercícios - por meio da ingestão de solução bem formulada contendo carboidratos, como as bebidas esportivas - retarda a instalação da fadiga e melhora o rendimento.
Permanece, porém, a dúvida sobre qual seria o mecanismo responsável pelos resultados positivos obtidos com a ingestão de bebidas esportivas, pois o comportamento metabólico ainda não está perfeitamente esclarecido (Davis & Fits, 1998; Hargreaves, 2000). Em 1987, Coggan e Coyle sugeriram que o principal mecanismo para retardar a instalação da fadiga estaria na manutenção da glicemia e na velocidade de oxidação dos carboidratos, nos últimos estágios dos exercícios, quando a disponibilidade do glicogênio muscular estaria limitada. A ingestão de carboidratos economizaria o glicogênio muscular, em alguns tipos de fibra, durante o ciclismo intermitente e em corridas (Hargreaves, 2000).
Entretanto, também é possível que o mecanismo da fadiga dependa do cérebro (Davis, 2000; Gandevia, 1999). A ingestão de carboidratos estimula a função cerebral e melhora a sensação de bem-estar durante os exercícios (Davis, 2000).
A maioria das pessoas pára de se exercitar ou apresenta baixo rendimento devido a percepção do esforço ser mais intensa. O aumento na percepção do esforço durante os exercícios prolongados, na maioria dos casos, precede a incapacidade do músculo em produzir a força e a potência adequadas (Gandevia, 1999). Por outro lado, os benefícios da ingestão de carboidratos em retardar a fadiga incluem a redução na sensação de esforço, aumento da motivação, bom humor e diminuição da inibição do centro nervoso motor cerebral, situado na região superior do cérebro (Davis, 2000; Gandevia, 1999).
Nossa hipótese é a de que a ingestão de carboidratos durante o exercício ajude a manter a glicemia, reduza a concentração de EPI, glucagon, cortisol e GH no sangue e aumente a concentração da insulina. Portanto, a ingestão de carboidratos pode retardar a depleção de glicogênio muscular e hepático, aumentando a captação de glicose e a oxidação nos músculos e cérebro. Assim, diminui a concentração de ácidos graxos livres (AGL) e amônia, os quais contribuem para o início da fadiga central. Raramente ocorre diminuição acentuada na glicemia (hipoglicemia) no momento da fadiga. Dessa maneira, a disponibilidade de glicose para o cérebro provavelmente não seja o principal fator para retardar o processo da fadiga.
Entretanto, já está bem estabelecido que pequenas diminuições na glicemia causam desequilíbrio nas funções cognitivas e no humor, mesmo antes da ativação da resposta dos hormônios glicoreguladores e do aparecimento dos sintomas da hipoglicemia (De Feo et al., 1988; Jones et al., 1990; Merbis et al., 1996). A manutenção de um fluxo adequado de glicose para o cérebro é importante para diminuir a percepção do esforço comumente observada nessas condições.
Utter et al. (1999) demonstraram que a diminuição da percepção do esforço pelos indivíduos que ingerem bebidas esportivas está associada a um aumento na velocidade de oxidação da glicose, da glicemia e da insulinemia e diminuição nos níveis de cortisol e GH. Também foi observada diminuição na percepção do esforço quando ocorria a infusão com glicose, durante exercícios de baixa intensidade (Tabata et al., 1991), e com o consumo de bebidas esportivas, durante ciclismo prolongado a 70% do VO²max. (Burgress et al., 1991b).
A modesta diminuição nos Ácidos Graxos Livres Plasmáticos após a ingestão de carboidratos (resultante do aumento na insulinemia e diminuição da EPI, GH e cortisol), também pode ser um agente auxiliar no retardo da fadiga central. Como isso ocorre? Quando a concentração de AGL é reduzida, a concentração de triptofano livre também diminui. Isto significa que menos triptofano é transformado em serotonina pelo cérebro. A serotonina é o principal agente promotor da fadiga central (Davis et al., 1992).
Durante os exercícios, a ingestão de carboidratos também diminui os níveis sanguíneos de glucagon e cortisol e aumenta a insulinemia. Estas modificações podem levar à redução nos níveis de amônia do sangue e do cérebro (Wasserman & Cherrington, 1996); a amônia é uma substância tóxica para o cérebro. Além disso, pode alterar o metabolismo muscular.
Sumário
Geralmente, os últimos estágios de um exercício prolongado estão associados a uma grande elevação dos hormônios glicoreguladores. Isto indica a impossibilidade de ocorrer a manutenção adequada da glicemia. Essas modificações hormonais podem ser importantes para impedir a fadiga.
O aumento da EPI, cortisol, glucagon e GH, concomitantemente à diminuição na insulina sérica, pode contribuir para que a fadiga ocorra. A ingestão de carboidratos durante os exercícios pode modificar a resposta desses hormônios glicoreguladores. Em parte, esse fato pode ser responsabilizado pelo retardo da fadiga.
Os atletas devem tomar, a cada 15 a 20 min, 240 a 350 ml de uma bebida esportiva que contenha carboidrato. Esta ingestão, que repõe carboidrato e líquidos, previne a queda na glicemia e retarda a fadiga. O atraso da fadiga, nessas circunstâncias, envolve mecanismos centrais e periféricos.

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