sábado, 30 de abril de 2011

Utilização da crioterapia no futebol: mitos e verdades



Não há consenso na literatura quanto à aplicação da imersão em água gelada (IAG); dados também são reduzidos à categoria juvenil do gênero masculino
 
Para melhora da estrutura e da função musculares são necessários microtraumas que sinalizem processos regenerativos. Exercícios novos em que o atleta não está acostumado a executar, que sejam de alta intensidade e com ação muscular excêntrica, são os maiores causadores de microtraumas que podem gerar desconfortos entre 12 e 72 horas.
Entre os mecanismos de sinalização encontram-se a liberação de processos inflamatórios, mudança de distribuição de fluxo intra e extracelulares, edema, rigidez muscular, diminuição da amplitude articular e dor muscular tardia. Quanto mais perdurarem esses sinais e sintomas, mais prejudicado estará o desempenho do atleta e, por este motivo, a combinação adequada entre os treinamentos de alta intensidade, jogos e período de recuperação é fundamental para o sucesso competitivo (Goodall e Howatson, 2008).
Das técnicas utilizadas para acelerar o processo de recuperação muscular encontram-se dieta rica em carboidrato, recuperação ativa, eletro estimulação, massagem, aplicação de contraste, crioterapia, entre outras (Barnett, 2006).
A crioterapia consiste em retirar a temperatura corporal para minimizar os efeitos negativos dos microtraumas e aumentar o bem-estar dos atletas e tem se popularizado no futebol pela aplicação de imersão em água gelada (IAG).
Apesar de hipoteticamente reduzir fatores inflamatórios e minimizar desconfortos musculares e articulares, os resultados mostrados na literatura com aplicação de IAG são contraditórios.

Em um trabalho de revisão sistemática muito interessante, Bleakley e Davison (2010) apresentaram resultados de estudos que utilizaram diferentes sujeitos e várias modalidades esportivas. Os autores destacam que embora a IAG possa causar alterações hemodinâmicas, respiratórias, metabólicas, antioxidantes e endócrinas, não incluíram no estudo nenhum dado relacionado ao futebol.
O primeiro estudo a investigar os efeitos da IAG em jogadores de futebol parece ter sido feito em 1996 por Cross, Wilson e Perrin. Os autores avaliaram o desempenho de atletas da 3ª divisão na corrida de ida e volta; no salto unilateral em 6m de distância e no salto vertical unilateral com e sem IAG (20min a 13°C). Os resultados indicaram redução no salto vertical e no teste de ida e volta não havendo diferença significativa no salto de 6m. Apesar da pouca especificidade das tarefas relacionadas ao futebol, os resultados são curiosos já que ao contrário do que se imaginava, a IAG ao invés de causar alguma melhora, manteve ou piorou o desempenho.
Com o intuito de verificar se a IAG surtia algum efeito, Rowsell et. al., (2009) analisaram o desempenho de atletas juniores após cada partida de futebol num total de quatro ocasiões. Os autores formaram dois grupos em que um fez IAG (n=6; 5 ciclos de 60s de imersão a 10ºC e 60s a 24ºC - temperatura ambiente) e outro fez imersão em água com temperatura ambiente (n=7; e 5 ciclos de 60s de imersão a 34ºC e 60s a 24ºC - temperatura ambiente). Após avaliarem testes físicos (salto contra-movimento, 12 tiros de 20m com 20s de descanso entre cada um deles), percepção subjetiva de esforço durante uma corrida submáxima (12 km/h), fatores inflamatórios (Creatina cinase, mioglobina, interleucinas 1b, 6 e 10) e bioquímicos (lactato desidrogenase), não encontraram diferença significativa entre os grupos em nenhuma das variáveis avaliadas.
Com o objetivo de comparar três diferentes estratégias de recuperação, Kinugasa e Kilding, (2009) aplicaram IAG + banho quente (12ºC e 38ºC, respectivamente); IAG + recuperação ativa (12ºC e bicicleta ergométrica); e alongamento de rotina pós treino em 28 jovens futebolistas (14,3+0,7 anos). Após três jogos de futebol executados com 24 horas de intervalo entre cada um, os pesquisadores avaliaram salto vertical, frequência cardíaca, temperatura do tímpano, e a percepção na qualidade da recuperação muscular 10 minutos depois de cada jogo, após cada tipo de intervenção e depois de 24 horas. Os resultados demonstraram diferença somente na percepção da qualidade de recuperação após a intervenção do protocolo, porém normalizada após 24 horas.
Ascenção et. al. (2010) compararam o efeito da IAG (10min a 10°C) e da imersão termoneutra (10min a 35°C) em 20 futebolistas juniores. Creatina cinase, mioglobina, proteína C-reativa, salto (vertical e contramovimento), velocidade (tiro de 20m), força isométrica de quadríceps (isocinético) e percepção de dor muscular tardia (quadríceps, panturrilha, adutor e isquitibiais) foram analisados antes, 30min, 24h e 48h após o jogo. Em relação ao período de tempo, ambos os grupos aumentaram creatina cinase (30min, 24h e 48h), mioglobina (30min), proteína C-reativa (30min e 24h) e dor muscular tardia. Houve redução da altura do salto e da força máxima de quadríceps. O tiro de 20m não apresentou diferença entre os períodos.
Comparando os grupos, houve diferença significativa na creatina cinase (30min, 24h e 48h), mioglobina (30min), proteína C-reativa (30min, 24h e 48h), força do quadríceps (24h) e dor muscular tardia no quadríceps (24h), panturrilha (24 h) e adutor (30min). Esses resultados indicam que embora a IAG não melhore variáveis específicas do futebol (tiro e salto), ela parece reduzir a sensação de dor muscular tardia e pode aliviar o desconforto dos atletas.
Mais recentemente, Rowsell et. al., (2011) compararam o efeito da crioterapia (5x1min a 10ºC) e da hidroterapia (5x1min a 34ºC) nas velocidades de deslocamento e na percepção subjetiva de esforço pós-jogo em 22 juniores em quatro partidas de futebol realizadas com 24h de intervalo. Embora ambos os grupos tenham reduzido a distância percorrida em alta intensidade (>15km/h), a distância total e o tempo de manutenção da frequência cardíaca na zona acima 90% da máxima entre o primeiro e último jogo, não houve diferença entre o grupo que fez crioterapia do que fez hidroterapia. Apesar disso, o grupo que realizou IAG amenizou a sensação de dor nas pernas, a sensação de cansaço geral, manteve-se maior tempo na zona de FC moderada e amenizou a queda da distância total percorrida, mostrando efeito positivo da IAG versus a hidroterapia.
Esse é um aspecto interessante, já que derruba a hipótese de alguns autores que acreditavam que parte dos benefícios da IAG se dava exclusivamente em função da pressão hidrostática e não por causa da temperatura da água.
Um único trabalho que utilizou atletas profissionais como amostra foi realizado na Polônia por Korzonek-Szlacheta et. al., 2007. Após 10 sessões de crioterapia, os autores avaliaram as concentrações séricas de hormônios de 22 atletas (estradiol, testosterona, sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA) e do hormônio luteinizante) mostrando redução significativa da testoterona e do astradiol. Tais alterações foram atribuídas pela alteração da circulação sanguínea, porém, por não medir desempenho, o estudo não permite nenhuma extrapolação prática.
Pelo apresentado, verifica-se que não existe consenso na literatura quanto à aplicação da IAG. Além disso, os dados são reduzidos à categoria juvenil do gênero masculino. Parte da controvérsia encontrada entre os diferentes estudos pode ser explicada pelas diversas metodologias aplicadas, já que variações do método de IAG, diferença nas características dos sujeitos, no nível de condicionamento, no período de treinamento, nas variáveis selecionadas e no tempo pós-esforço para coletada de dados limitam comparações.
Conclui-se que ainda não existem razões científicas suficientes que justifiquem a utilização da IAG e sua efetividade poderá ser testada quando a ciência responder as seguintes perguntas:
01 – Qual a temperatura ideal da água para realização da IAG?
02 – Qual o tempo ideal de permanência?
03 - A imersão deve ser contínua ou intercalada co outra estratégia?
04 – Quais as interferências da maturação e do gênero nas respostas da IAG?

Enquanto isso não ocorrer, caberá a cada clube, comissão técnica e atleta decidir se o custo-benefício dessa prática valerá ou não a pena.

César Cavinato Cal Abad*

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