terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Teste TCar

Teste TCar - um novo modelo para avaliar a aptidão aeróbia de atletas de futebol
Alternativa é interessante para se incorporar no processo de avaliação aeróbia devido aos seus indicadores de validade e reprodutibilidade
Juliano Fernandes da Silva e Leandro Teixeira Floriano*
 
O futebol tem se caracterizado como uma modalidade intermitente de elevada intensidade, com os atletas realizando ações distintas durante a partida, tais como corridas em diferentes intensidades, saltos, chutes e cabeceios (RIENZI, 2000). Contudo, os atletas de futebol realizam cerca de 90% da movimentação com energia proveniente do metabolismo aeróbio (RAMPININNI et al., 2007).

Neste sentido, a determinação da máxima velocidade aeróbia ou pico de velocidade (PV) e da velocidade referente ao consumo máximo de oxigênio (vVO2max) realizada em esteira rolante (laboratório) tem sido aceitas como medidas válidas para avaliar a aptidão aeróbia. Tais protocolos oferecem maior controle do experimento a partir da obtenção de medidas diretas, contudo, a utilização de material de alto custo, pessoal especializado e elevado tempo para a avaliação de cada indivíduo dificultam a utilização destas metodologias.
Outra limitação refere-se ao fato de que a especificidade do padrão motor envolvido na modalidade geralmente não é contemplada em tais testes.
Desta forma, testes de campo têm sido propostos procurando aumentar a especificidade dos protocolos das avaliações que mensuram índices fisiológicos no futebol (KRUSTRUP et al., 2003; LÉGER; LAMBÉRT, 1982), reproduzindo o padrão motor do exercício intermitente. Tais testes permitem avaliar um elevado número de atletas ao mesmo tempo, aumentam a motivação dos indivíduos avaliados, apresentam baixo custo e são de fácil aplicação.
Entre os testes reportados na literatura científica destaca-se o Yo-Yo Recovery test (YYR) que avalia a capacidade do atleta de realizar repetidos períodos de alta intensidade (KRUSTRUP et al., 2003; BANGSBO et al., 2008)). Contudo, apesar de o teste apresentar critérios de validade e reprodutibilidade e estar relacionado com a performance no futebol, uma limitação é que o YYR não apresenta indicadores de capacidade e potencia aeróbia que possam ser transferidos para a prescrição de treinamento. Já o teste shuttlerun20m (SHT20) proposto por Legér e Lambert (1982) é uma alternativa para a determinação do VO2max. No entanto, este protocolo é contínuo, não apresenta pausas, não sendo específico para modalidades intermitentes. Além disso, o STH20 subestima a velocidade máxima aeróbia (AHMAIDI et al., 1992).
Com o objetivo de oferecer avaliações mais específicas de potência e capacidade aeróbia em esportes como futebol, Carminatti et al. (2004) propuseram o teste incremental de corrida intermitente (TCar). O TCar é realizado no local em que o atleta desenvolve seus treinamentos e competições (quadra, gramado) em um sistema de ida e volta, com distâncias variadas. Neste teste é determinado o PV (PVtcar), que avalia simultaneamente os sistemas aeróbios e anaeróbios de fornecimento de energia.
O TCar é um teste incremental com estágios de 90 segundos de duração, em “sistema ida e volta”, constituído de cinco repetições de 12 segundos de corrida (distância variável), intercaladas por seis segundos de caminhada (± cinco metros). O ritmo é ditado por um sinal sonoro (bip), em intervalos regulares de seis segundos, que determinam a velocidade de corrida a ser desenvolvida nos deslocamentos entre as linhas paralelas demarcadas no solo e também sinalizadas por cones.
A velocidade inicial é de 9,0 km•h-1 (15 m distância inicial), com incrementos de 0,6km•h-1 a cada estágio até a exaustão voluntária, mediante aumentos sucessivos de 1m a partir da distância inicial (figura 1). 

Quando o atleta é incapaz de completar o último estágio, a correção do pico de velocidade (PVTCAR) é baseada na equação de Kuipers et al. (1985): PV (km.h-1) = v + [(nv/10)*0.6], onde “v” é a velocidade de corrida do último estágio completado, “nv” é o número de voltas no estagio incompleto, “10” é o total de número de voltas (correndo) no estágio e “0,6” é o incremento de velocidade (adaptado KUIPERS et al. (1985). Quando os sujeitos não alcançaram a linha final duas vezes consecutivas o teste é encerrado.
O principal diferencial do TCar em relação aos testes supracitados é o fato de realizar o incremento da velocidade a partir de um acréscimo na distância. Em curtos espaços (20 m), o avaliado geralmente não atinge altas velocidades (>16 km.h-1); isto ocorre, pois, iniciar, acelerar, reduzir a velocidade, parar e mudar de sentido envolve redução na aceleração e causa deslocamento vertical do centro de massa diminuindo a eficiência de movimento (AHMAIDI et al., 1992). Por outro lado, no TCar, estas frequentes alterações no padrão da corrida ocorrem em distâncias maiores (>28m) nas velocidades mais altas (>16,8 km.h-1), permitindo que o indivíduo alcance, consequentemente, valores de PV mais elevados.
Além disso, a partir do TCar, pode-se montar treinamentos em diferentes intensidades relativas do PVtcar alterando-se apenas a distância e utilizando tempo fixo de esforço, ou seja, os atletas podem treinar em diferentes intensidades (devido ao seu condicionamento ou objetivo), com o controle preciso e individualizado do treinamento.
Estudos do nosso laboratório têm demonstrado que o PV do TCar apresenta elevada reprodutibilidade (r=0,93) e é válido para avaliar a velocidade máxima aeróbia. Em adição, o PV no TCar tem se mostrado sensível aos efeitos de treinamento da temporada competitiva em jogadores de futebol (Floriano et al., 2009), assim como, discrimina a aptidão física de atletas de diferentes níveis competitivos (Carminatti et al., 2004).
Em resumo, é possível afirmar que o TCar é uma interessante alternativa para ser incorporado no processo de avaliação aeróbia de jogadores de futebol devido aos seus indicadores de validade e reprodutibilidade, assim como a facilidade de prescrever treinamentos específicos com intensidade controlada.

*Juliano Fernandes da Silva é graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui mestrado em Educação Física pela UFSC na área de Cineantropometria e Desempenho Humano. É membro do grupo de pesquisa do Laboratório de Esforço Físico (LAEF/UFSC) estudando variáveis da fisiologia do exercício relacionadas a avaliação e treinamento de atletas de modalidades intermitentes, principalmente futebol. Atualmente faz doutorado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina.
**Leandro Teixeira Floriano é graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui especialização em Fisiologia do Exercício pela Universidade Gama Filho (RJ). Atualmente é Preparador Físico do Avaí Futebol Clube (categoria sub17). É mestrando em Educação Física na UFSC na área de Cineantropometria e Desempenho Humano. È membro do grupo de pesquisa do Laboratório de Esforço Físico (LAEF/UFSC) estudando variáveis de fisiologia do exercício relacionadas ao futebol. 
 

Bibliografia
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BANGSBO J, IAIA M, KRUSTRUP P. The Yo-Yo Intermittent Recovery Test: A useful tool for evaluation of physical performance in intermittent sports. Sports Medicine, v.38, n.1, p.1-15, 2008.
CARMINATTI LJ, LIMA-SILVA AE, DE-OLIVEIRA FR. Aptidão Aeróbia em Esportes Intermitentes - Evidências de validade de construto e resultados em teste incremental com pausas. Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício, v.3, p.120, 2004.
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